Por Paula Barcellos/Jornalista da Revista Emergência
As chuvas no Sudeste brasileiro continuam fazendo estragos. Esta semana deslizamentos e alagamentos afetaram comunidades e exigiram trabalho intenso dos órgãos de emergência. Em Itaquaquecetuba/SP, por exemplo, a chuva provocou deslizamentos de terras em três bairros da cidade, desalojando mais de 30 pessoas e exigindo ações de resgate. Além disto, mais de 90 foram desalojadas por causa de alagamentos.
Estes desastres não são recentes e só tendem a aumentar. Em entrevista ao Estadão, o climatologista e pesquisador do Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais), José Marengo, confirma a tese em trabalho recém-publicado com vários pesquisadores. “Os eventos extremos estão cada vez mais frequentes, ao mesmo tempo em que a vulnerabilidade da população também. Por isso desastres como enchentes, enxurradas e deslizamentos de terra afetam cada vez mais pessoas”, disse Marengo ao Estado.
PREVENÇÃO
Segundo especialistas, as mudanças climáticas, o aumento populacional, a falta de planejamento urbano e de medidas de prevenção são os fatores principais para estes cenários. Para o geólogo, especialista em Gestão de Desastres Naturais do IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas) e colunista da Revista Emergência, Eduardo Soares de Macedo, existem diferentes realidades no Brasil em termos de prevenção.
“O que existe é a preparação para desastres. Isso significa treinamento de equipes, informação para população. No entanto, esses trabalhos se limitam a poucas prefeituras, normalmente aquelas com maiores problemas, equipes mais antigas e bem estruturadas. A maior parte das cidades brasileiras com problemas trabalham reativamente, ou seja, esperam acontecer os problemas para agir”.
Ele ressalta que algumas soluções para os problemas das inundações e deslizamentos no país passam por uma mudança de cultura muito grande. “Planejamento urbano, fiscalização, obras, urbanização de áreas, habitação, educação, treinamento de equipes municipais, participação massiva da população, informações em tempo real… Temos observado que mesmo em municípios com boa infraestrutura de prevenção, ainda assim, temos mortes. Por isto, acredito que precisamos detalhar muito mais nossos instrumentos: mapeamentos de muito grande detalhe, quase casa a casa; trabalho com a população não de forma extensiva, mas também casa a casa; planos de contingência localizados. O problema é que isso demandaria muito tempo, mas temos que começar”, reflete.

Passo importante dentro desta mudança de cultura, o envolvimento da população tem sido um desafio grande. Em matéria do G1 desta semana, mesmo após a morte de uma mulher soterrada após um deslizamento em Caxambu/MG, moradores têm insistido em ficar nas casas nos locais considerados de risco. Em entrevista à Jovem Pan, o tenente-coronel e diretor da Defesa Civil de São Paulo, Henguel Ricardo Pereira, afirma que as áreas de risco no Estado de São Paulo estão mapeadas, mas que a retirada das famílias moradoras dessas regiões é um grande desafio. “A gente vai a campo, faz vistoria. Mas sofremos com recusa, temos dificuldade em retirá-las ou então elas voltam quando vamos embora. A vigilância tem que ser constante.”
RECURSOS
As falhas em relação aos recursos financeiros para prevenção também são ressaltadas diante destas tragédias. Segundo matéria do Estadão desta semana, o levantamento técnico do TCU (Tribunal de Contas da União) analisou os resultados e uso de dinheiro público da Política Nacional de Proteção e Defesa Civil no intervalo de 2012 a 2017. De 2012 até o fim de 2017, foram autorizados R$ 23 bilhões do Governo Federal para ações de combate a catástrofes. Desse total, foram empenhados R$ 16 bilhões, aproximadamente. O TCU diz ainda que há falta de critérios técnicos para a priorização das ações e má distribuição dos valores destinados à prevenção.
De acordo com matéria do Portal G1, em dez anos, o Governo do Estado de São Paulo deixou de usar 42% da verba contra enchentes no Estado, o equivalente a mais de R$ 2,5 bilhões do montante orçado. Segundo levantamento feito pela GloboNews, entre 2010 e 2019, foram usados somente R$ 3,6 bilhões dos R$ 6,2 bilhões previstos para serem investidos em ações preventivas.
Para 2020, um levantamento feito pelo site Contas Abertas junto ao portal Siga Brasil, do Senado Federal, mostra que o valor autorizado pelo Governo Federal para Gestão de Riscos e Desastres, de R$ 783,6 milhões, é o menor da série de programas orçamentários de prevenção e resposta a tragédias naturais, iniciada em 2004. Este valor é também 34% inferior ao de 2019: R$ 1,2 bilhão.