Por Nícolas Suppelsa e Paula Barcellos/ Revista Emergência
A CE (Comissão de Estudo) de Planos e Equipes de Emergência do CB 24 (Comitê Brasileiro de Segurança contra Incêndio), da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas), elaborou uma atualização da ABNT NBR 14.023, referente à coleta de dados e geração de estatísticas sobre atendimentos de ocorrências de emergências no Brasil.
“A primeira edição da 14.023 foi publicada em dezembro de 1997, com o título de ‘Registro de atividades de bombeiros’ e era limitada aos incêndios e eventuais resgates e primeiros socorros. Com somente 25 páginas, não trouxe muita influência na elaboração de formulários e coleta de dados mínimos para serem compilados de forma a ser adotada pelos serviços de emergências privados ou públicos; os requisitos eram mais pertinentes para os corpos de bombeiros públicos como os usuários da norma, que não teve muita divulgação da importância”, avalia Jorge Alexandre Alves, coordenador da Comissão de Estudos de Planos e Equipes de Emergências.
Entretanto, destaca Alves, com a revisão, a NBR 14.023 passou para 74 páginas e inclui as emergências diversas de resgate técnico, emergências com produtos perigosos e ambientais, APH, incêndios florestais,além de maiores detalhes para a coleta e compilamento das informações. “Outro fato, são os anexos informativos que trazem modelos que podem ser adotados para a elaboração de formulários das organizações para a coleta de dados das ocorrências, divididos por categorias”, exemplifica. O nome também mudou, sendo agora chamada de “Registro de dados de ocorrências de incêndios e emergências”.
PROBLEMA E SOLUÇÃO
O superintendente do CB 24, Rogerio Lin, destaca a importância da norma para detectar problemas e agir sobre eles. “É importante ter esses dados estatísticos justamente para a gente saber onde atacar os problemas. Então, por exemplo, se eu sei que prédio em estrutura de madeira pega mais fogo, eu vou fazer uma ação para melhorar a proteção dessas estruturas. Se eu sei que em determinada cidade tem mais casos de incêndio na cozinha, eu consigo fazer uma campanha, alguma ação ou criar alguma norma específica para isso”, explica Lin.
Ele espera que a norma atinja não só as autoridades, mas toda a sociedade. “Nossa expectativa é que a norma sirva de base para coletar dados, seja em entes públicos ou privados. E a ideia é que no futuro exista um banco de dados ou algo nesse sentido para que a sociedade tenha acesso a esse tipo de informação. A sociedade perde como um todo quando a gente não tem estatística”, diz o superintendente
Marcelo Lima, consultor do ISB (Instituto Sprinkler Brasil) lembra que a entidade defende há muitos anos a necessidade da publicação dos dados reais sobre ocorrências de incêndio em todo o Brasil, pois crê que isso é fundamental para que todo o setor tenha conhecimento da real dimensão das questões de incêndio no país. “Todos que se interessam pela área de incêndio se beneficiariam com essa decisão. A população geral passaria a entender com mais facilidade o risco a que está exposta, tanto em suas residências quanto em seus ambientes de trabalho. As empresas de produtos e serviços da área de incêndio poderiam direcionar suas atividades levando em conta as reais necessidades geradas pelos incêndios. Pesquisadores teriam condições de analisar tendências, identificar pontos que necessitam atenção e áreas de excelência dentro da proteção contra incêndio no Brasil. Seguradoras teriam mais facilidade e poderiam direcionar mais seus esforços de gerenciamento de risco para ocupações onde os casos de incêndios são mais frequentes”, enumera Lima.
Segundo o consultor, a famosa frase “o que não é medido não pode ser melhorado” se aplica bem nesse contexto. “Na falta de dados brasileiros, recorremos a estatísticas americanas, que são abundantes, mas será que representam adequadamente o que ocorre no Brasil? Por exemplo, sabemos que nos EUA mais de 80% das mortes em incêndios acontecem em incêndios residenciais. Isso acontece também no Brasil? Se sim, estamos fazendo algo para reduzir o problema?”, questiona. Outro exemplo, continua Lima, são os incêndios industriais. “Nossa legislação de incêndio precisa ser melhorada em relação às indústrias e, pessoalmente, acredito que essas melhorias não acontecem pela percepção de que incêndios industriais não são frequentes. Será mesmo? Dados do ISB indicam que incêndios industriais no Brasil representam de 25 a 30% de todos os incêndios estruturais (excluindo-se os residenciais)”, revela.
Lima destaca a importância de os corpos de bombeiros militares aderirem às recomendações da norma. “A iniciativa da ABNT de criar uma norma para padronizar a coleta de informações sobre ocorrências de incêndios é muito bem-vinda, mas será infrutífera enquanto os corpos de bombeiros militares dos vários estados brasileiros não tomarem a decisão política de tornar públicos os dados de ocorrência de incêndio em seus estados, de modo periódico e padronizado”, desabafa.
HISTÓRICO
A norma NBR 14.023 teve sua primeira versão publicada em 1997, e foi fruto do trabalho de uma Comissão de Estudos formada essencialmente por oficiais de alguns corpos de bombeiros estaduais e representantes do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e coordenada por Rosaria Ono, coordenadora do GSI, o Grupo de Fomento à Segurança Contra Incêndio, da USP (Universidade de São Paulo), que na época era pesquisadora do IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo).
Segundo Rosaria, os trabalhos se iniciaram em 1993, após um treinamento que ela recebeu no Japão, a respeito da importância dos dados estatísticos de incêndios para a compreensão da situação da segurança contra incêndio e a elaboração de políticas públicas de prevenção e proteção para o país. “Ao investigar qual era a situação do Brasil, em termos de dados sobre ocorrências de incêndios, percebeu-se que apesar do esforço do IBGE de coletar dados desta natureza no âmbito nacional, não eram bem-sucedidos, pois havia uma dificuldade imensa em obter informações, devido à falta de fontes. Muitos dos corpos de bombeiros não tinham estes dados sistematizados, os dados coletados não eram padronizados e, além disso, várias regiões do país não tinham cobertura do serviço de bombeiros. Assim, surgiu a proposta de abertura da Comissão de Estudos para elaboração de uma norma com as informações mínimas que poderiam ser coletadas, de forma padronizada, com a esperança que esta norma fosse adotada pelos corpos de bombeiros, paulatinamente, e em algum momento, pudéssemos ter tanto uma padronização dos termos técnicos relacionados às atividades de bombeiros, como uma coleta mínima padronizada que pudesse gerar uma estatística de incêndio nacional confiável”, relembra.
Ela destaca que apesar de o CB 24 ter um foco específico na versão da norma em 1997, ela já incluía outras atividades realizadas pelos corpos de bombeiros, pois já havia a preocupação em poder apoiar o registro das atividades dos bombeiros de forma mais ampla. “No entanto, houve também um esforço para estabelecer uma quantidade mínima de informações, de forma que não se dificultasse o registro de dados básicos das principais ocorrências de bombeiros”, diz.
“Fico feliz com a revisão desta norma e a maior visibilidade que esta possa ter, com a ampliação e o aprofundamento nos tipos de ocorrências, que pode despertar mais interesse dos responsáveis pela coleta de dados de atividade de bombeiros, no uso de uma estrutura padronizada, permitindo somar esforços para a obtenção de dados para uma estatística nacional”, resume Rosaria.