Edição 156 – Mai/Jul / 2025
Especialista no pré-hospitalar rodoviário e urbano ressalta a importância de uma nova cultura de triagem e encaminhamento no atendimento de vítimas
Foram quase 30 anos de experiência em um segmento do APH extremamente complexo que é o rodoviário. O médico Marcelo Augusto Okamura atuou na coordenação Médica e de Urgências Traumáticas em Acidentados no Grupo CCR de 1998 a 2024. Nesse período, implantou, junto com outros profissionais, novas técnicas e tecnologias para aprimoramento do serviço. Além disso, detectou que as mudanças no APH rodoviário dependem de novas visões e novas lideranças e de diretrizes que regulamentem a atividade.
O especialista ainda contabiliza quase 20 de atuação no SAMU, sendo, atualmente, coordenador do SAMU de Jundiaí e médico do SAMU de Itapetininga, em São Paulo. Para ele, o serviço que se provou um dos mais impactantes na avaliação de morbimortalidade das emergências, tem desafios importantes para o futuro como a capacidade de triar melhor quem deverá ir para o hospital. Para isso, contará cada vez mais com o auxílio da IA (Inteligência Artificial). Nessa entrevista, ele ainda destaca que, além da implantação de uma nova cultura de triagem, o APH brasileiro necessita de uma reforma também no campo da legislação, sobretudo quanto às atribuições de cada profissional que compõe as equipes de regulação e intervenção. Confira o bate-papo com o médico.
Por Paula Barcellos/Editora e Jornalista da Revista Emergência
PERFIL – MARCELO AUGUSTO OKAMURA
Médico e pós-graduando em Medicina de Emergência, atuou de 1998 a 2024 na coordenação Médica e de Urgências Traumáticas em Acidentados no Grupo CCR. Está na assistência médica no SAMU há quase 20 anos, sendo, atualmente, coordenador do SAMU Jundiaí e médico do SAMU de Itapetininga em SP. Coordena, ainda, o Núcleo de Educação em Urgências do SAMU de Itapetininga e foi responsável por qualificar o SAMU Jundiaí com a certificação ONA Nível 2 Pleno.
POR QUE O SENHOR TEVE INTERESSE EM INGRESSAR NA MEDICINA DE URGÊNCIA E EMERGÊNCIA E EM ESPECIAL NO APH?
Meu interesse pelo APH surgiu no início da década de 90, após testemunhar um grave acidente em uma rodovia que liga os estados de São Paulo e Rio de Janeiro. Naquele dia, estive diante de muitas vítimas de uma colisão frontal entre dois veículos que precisavam de assistência especializada. Algumas perderam a vida porque não havia uma estrutura organizada para estabilizar e encaminhar rapidamente a um centro especializado de trauma. Isto foi o que despertou em mim a vontade de ajudar a construir os primeiros modelos de APH rodoviários em São Paulo. Atualmente, com quase três décadas de experiência na área do pré-hospitalar rodoviário, foi possível perceber que este tipo de assistência apresenta-se com diferentes graus de complexidade, pois depende da quantidade de recursos humanos, equipamentos e veículos disponíveis em relação a uma demanda que pode ser muito alta, causada pelos incidentes com múltiplas vítimas ou pelos desastres artificiais ou naturais, que representam a mobilização de recursos e pessoas para as ações contingenciais de triagem, tratamento e evacuação de pacientes.
UMA DAS GRANDES VIVÊNCIAS SUAS É O APH EM RODOVIAS. COMO O SENHOR AVALIA O PREPARO DESTE ATENDIMENTO NAS RODOVIAS BRASILEIRAS? HOUVE EVOLUÇÃO? É PRECISO MELHORAR MUITO AINDA?
Embora a velocidade de desenvolvimento de tecnologias disruptivas para a década de 80 tenha sido o marco para muitos serviços de APH em estados do Sul e Sudeste do país, houve uma desaceleração da capacidade de inovação ao longo dos anos, sobretudo nas rodovias. Isto se deve à resistência ainda presente na discussão sobre os protocolos de RMC, a Restrição do Movimento da Coluna, em traumatizados, uso racional do oxigênio em traumatizados, abordados em estudos relevantes como o TRAUMOX2, o uso de sangue e hemoderivados em pacientes com choque hemorrágico, assim como a formação de líderes neste segmento que consigam analisar as tendências disruptivas novamente. Precisamos muito de novos líderes no APH, sobretudo no APH rodoviário. Assim como a formação de novos gestores, a formação profissional por meio da especialização com qualidade, seja com a formação do residente médico ou enfermeiro, bem como a capacitação de condutores socorristas, equipes de regulação para a aplicação de protocolos de regulação estruturados é a pedra angular para a expansão dos serviços em nível nacional. É por meio da formação profissional com qualidade que as mudanças consistentes e conscientes serão possíveis para a criação de um ciclo virtuoso no APH rodoviário. Também é necessária uma diretriz com poder para regulamentar o APH rodoviário, sobretudo nas rodovias federais e estaduais, cujo programa de concessões já atua há mais de três décadas. Atualmente, coexistem modelos de serviço de APH rodoviários orgânicos e terceirizados. A qualidade da prestação de serviço é reflexo das exigências contidas nos termos de referência para a contratação de serviços ou na construção do modelo de APH desenhado pela equipe da concessionária. A falta de uma diretriz mais específica para o APH rodoviário permite a elaboração de termos de referência inconsistentes e a contratação de serviços de APH, que é crítica e muito especializada, pode sofrer com um nível de serviço abaixo da qualidade exigida, o que pode colocar em risco a vida ou a integridade de pacientes acidentados. A população brasileira precisa de serviços de APH rodoviário condizentes com a realidade nacional, que possam contemplar a presença de profissionais bem capacitados e equipamentos e recursos eficientes.
O SENHOR FOI RESPONSÁVEL PELA IMPLANTAÇÃO DE ALGUMAS TECNOLOGIAS NA ATIVIDADE DO APH RODOVIÁRIO. COMO ESTAS TECNOLOGIAS FORAM E SÃO IMPORTANTES PARA A MELHORIA DA PRÁTICA DO ATENDIMENTO?
Creio que existam muitos protagonistas que ajudaram a desenvolver o APH rodoviário. Não me considero responsável por um ou outro projeto. Acredito, na realidade, que um grupo de profissionais iniciaram vários movimentos pioneiros há 30, 40 anos. No segmento rodoviário ajudei a inspirar outros profissionais e juntos consolidamos alguns modelos de serviço. Confesso que acertamos e erramos muitas vezes na tomada de decisão para construirmos os serviços de emergência nas rodovias. O desenvolvimento das melhores práticas no APH ocorreu com a incorporação de ferramentas de avaliação tecnológica em saúde e com a disseminação de modelos padronizados de assistência, sobretudo aos pacientes traumatizados, bem como a evolução da ciência da reanimação. Posteriormente, novos cenários foram introduzidos no foco do APH rodoviário, tais como a assistência ao parto, a assistência aos acidentes com veículos de transporte de produtos perigosos, incidentes com múltiplas vítimas, abordagem inicial aos acidentes complexos com necessidade de salvamento veicular, integração com o serviço aeromédico, entre outros. Atualmente, avaliamos o impacto positivo do modelo de telemedicina no APH e a implantação do método LEAN em serviços pré-hospitalares. Isto significa mudar o conceito de Suporte Básico e Avançado para um novo patamar de atendimento que poderá promover mais equidade e eficácia na assistência. E o resultado poderá refletir em melhores desfechos para o paciente, com menos mortes e sequelas.
Confira a entrevista completa na edição de mai/jul / 2025 da Revista Emergência.