Por Paula Barcellos / Jornalista e Editora da Revista Emergência
No dia 11 de dezembro, a Frente Parlamentar em Defesa da Enfermagem de Pernambuco, com o apoio do Cofen (Conselho Federal de Enfermagem) e do Coren PE (Conselho Regional de Enfermagem de Pernambuco), vai realizar uma audiência pública na Alepe (Assembleia Legislativa do Estado de Pernambuco) sobre a aplicabilidade do SIV (Suporte Intermediário de Vida) e a competência técnica e legal da Enfermagem nesse contexto. O requerimento da audiência é do deputado estadual Gilmar Júnior.
O debate sobre o SIV tem ganhado destaque nos últimos anos e especialmente no último mês. Isso porque a 21ª Vara Federal Cível da SJDF (Seção Judiciária do Distrito Federal) suspendeu liminarmente, em final de outubro, as Resoluções Cofen 688/2022 e 718/2023, que regulamentam a implementação de diretrizes assistenciais e a administração de medicamentos por equipes de Enfermagem no Suporte Básico de Vida (SBV), e reconhecem o Suporte Intermediário de Vida (SIV) em serviços de saúde públicos e privados. A suspensão foi resultado de uma Ação Civil Pública ajuizada pelo CFM (Conselho Federal de Medicina), objetivando a declaração de nulidade das duas Resoluções.
Com a decisão, dúvidas sobre a continuidade e validação do serviço surgiram entre profissionais do setor de APH, especialmente o SAMU que já conta com este tipo de assistência espalhada pelo país. O Cofen, por sua vez, articula ações para reverter a situação, já que a sentença cabe recurso.
AÇÃO
Segundo o CFM, a principal justificativa para a ação está na falta de referências nacionais e internacionais sobre o SIV. “Nós tomamos ciência dessas resoluções, que de alguma forma trabalhava com a questão da Medicina de Emergência. A gente encaminhou para a nossa Câmara Técnica e foi avaliado que o SIV é inexistente na literatura em emergência no mundo e não só no Brasil”, diz o conselheiro Estevam Rivello, 2° secretário e diretor de Comunicação do CFM. Ele ressalta que já existem duas modalidades de atendimento, o SBV (Suporte Básico de Vida), com condutor e auxiliar ou técnico de enfermagem, e o SAV (Suporte Avançado de Vida), com condutor, enfermeiro e médico, que encontram amparo tanto de conteúdo quanto de forma de atendimento, e que ao inserir um suporte intermediário com enfermeiro cria-se uma lacuna de saber. Para ele, não existe uma assistência aonde o doente agudamente grave precisa de condutas emergentes, então o SIV de nada vai somar na assistência do doente. Exemplo claro, de acordo com ele, é o SIV na parada cardiorrespiratória em que o procedimento é um suporte básico, que pode ser atendido até por leigos e profissionais treinados. “Quando o doente instabiliza, não tem esse tempo de instabilização para suporte intermediário, pois já vira um suporte avançado. Então, quando o Cofen traz nessa resolução uma modalidade de atendimento exclusiva do enfermeiro, ele prejudica no quesito tempo-resposta e o doente, nesse momento, sofre. Isso é um dos motivos que fez o CFM entrar na Justiça Federal, que entendeu que as nossas argumentações eram válidas porque a enfermagem não encontrava amparo na lei que a rege, muito menos, nos protocolos do Ministério da Saúde”, frisa.
O conselheiro argumenta que enquanto o mundo não pratica o Suporte Intermediário de Vida, o Cofen deveria determinar que em todas as ambulâncias básicas do SAMU tivesse a presença do enfermeiro. “Está contido na lei da enfermagem que o profissional técnico de enfermagem só pode participar da assistência sob supervisão de um enfermeiro. O Cofen, para melhorar a assistência do paciente e para melhorar a assistência do serviço deveria brigar para que o enfermeiro estivesse presente em todas as ambulâncias básicas do SAMU e em todos os suportes de serviço suplementar no Brasil que prestam assistência em APH”, sugere.
SUPORTE
O Cofen, por sua vez, enfatiza que as resoluções estão bem embasadas na legislação nacional. “O Cofen, baseado no que descreve a Portaria 2.048, do Ministério da Saúde, normatizou a atuação da enfermagem de urgência e emergência no âmbito do APH, garantindo o acesso oportuno e proporcionando a ampliação do cuidado ao paciente grave dentro do escopo das Práticas Avançadas para Enfermagem, já utilizadas mundialmente e regulamentadas pelo Cofen. Devido essas práticas irem além do Básico, foi reconhecida pelo Cofen como Suporte Intermediário de Vida, desde que seja uma decisão gestora diante das características loco regional de cada serviço, e necessite oferecer uma assistência ampliada que preencherá lacunas existentes no serviço e ampliará o acesso a cuidados de pacientes que necessitam de um atendimento de maior complexidade”, explica Eduardo Fernando de Souza, membro do Comitê Nacional de Enfermagem em Desastres, Catástrofes e Emergências de Saúde Pública do Cofen. Segundo Souza, as orientações sobre a necessidade de criar serviços intermediários, capazes de garantir uma cadeia de reanimação e estabilização para os pacientes graves diante dos vazios assistenciais na urgência e emergência estão, mais precisamente, no quinto “Considerando” da Portaria 2.048.
Para o Conselho de Enfermagem, o SIV representa um avanço significativo no atendimento pré-hospitalar ao paciente crítico, devido à baixa quantidade de USA (Unidades de Suporte Avançado de Vida), disponibilizadas pela Rede SAMU no Brasil. “O atual modelo de atendimento pré-hospitalar adotado pelo SUS apresenta um número insuficiente de USA, com aproximadamente 700 unidades habilitadas em todo o país, constituindo uma grande lacuna na assistência pré-hospitalar, expondo pacientes graves a complicações evitáveis e risco de morte. Embora salvem vidas diariamente, a maioria absoluta das 3.000 USB possui equipes compostas apenas por técnicos ou auxiliares de enfermagem e condutores, limitando significativamente a assistência de Enfermagem prestada aos pacientes graves. Por isso, a suspensão das resoluções 688/22 e 718/23 representa um grave retrocesso para a assistência à saúde no Brasil, em especial aos grandes vazios assistenciais”, explica Souza. Segundo o Cofen, os efeitos desta suspensão atingem em cheio a população em vários pontos (veja box Efeitos da suspensão das Resoluções 688/22 e 718/23 do Cofen).
Paulo de Tarso Monteiro Abrahão, médico regulador do SAMU Metropolitano de Salvador/BA, não concorda com o argumento da insuficiência de USA para justificar o SIV, mas destaca a importância e necessidade do serviço dentro de sua competência, das demandas da população e como um complemento ao SBV e SAV. “É óbvio que não tem suporte avançado para toda a população brasileira, assim como não tem SAMU para toda a população brasileira, mas onde tem SAMU tem suporte básico e avançado. E deve ter também o SIV, dando um salto de qualidade no atendimento. É isso que tem que ficar claro e não justificar o SIV só porque falta o avançado e porque não tem médico. Se for por isso, basta aumentar o número de USA”, avalia. Apesar de destacar a importância do SIV frente à deficiência de USA, o Cofen concorda que o serviço intermediário é um tipo de atendimento complementar entre o suporte básico e o suporte avançado de vida, e não substitui o avançado.
Para o CFM, não há desassistência da Medicina na urgência e emergência no país. “O número de profissionais que atendem hoje às emergências do Brasil é suficiente. Hoje quando um profissional médico se forma, os locais onde está prestando assistência é em primeiro lugar: a unidade de pronto atendimento, o SAMU e o pronto-socorro de hospital terciário”, cita.
VANTAGENS
Entre as vantagens do SIV apontadas pelo Cofen estão: ampliação do escopo de atuação de enfermeiros e técnicos de enfermagem; melhoria da qualidade da assistência prestada aos pacientes graves, aumentando a chance de sucesso das intervenções e a sobrevida; maior autonomia do médico regulador no envio de recursos com maior capacidade de atendimento em momentos em que a USA estiver empenhada, distante ou indisponível; procedimentos realizados ainda no local do atendimento ou durante o transporte, agilizando o atendimento e otimizando o tempo de resposta quando o suporte avançado estiver em atendimento ou inoperante; e melhor acesso à assistência em regiões mais distantes dos grandes centros urbanos, onde o suporte avançado de vida pode não estar disponível ou o tempo-resposta seria muito elevado.
Paulo de Tarso diz que com o SIV tanto as urgências de média gravidade quanto as de maior gravidade são beneficiadas. “Outro benefício trazido é para o transporte interunidades onde os pacientes já tiveram seu primeiro atendimento em uma unidade de saúde e seu risco estabilizado, mas continuam com uma gravidade que necessita ser transferido para outro serviço de saúde”, completa.
PRÁTICAS
Em Fortaleza/CE, o SIV é uma realidade desde 2003, sendo incorporado ao SAMU Regional Fortaleza (SAMUFor) em 2006. “Hoje, com quatro SIV, sua existência está totalmente consolidada em nosso serviço, atuando segundo protocolos de intervenção adotados pelo SAMUFor como apoio às USB e em situações de complexidade superior às atribuições do SBV, mas que não complexas o suficiente para necessitar de um SAV, como por exemplo em intercorrências urgentes com ostomias e sondas em pacientes acamados, acompanhados ou não pela Atenção Domiciliar, evitando-se a remoção às portas de urgência da cidade”, diz Cláudio Roberto Freire de Azevedo, da Direção Técnica do SAMU 192 – Regional Fortaleza. Segundo ele, também, nos casos de maior complexidade, pode ser apoio importante às USA, ou até a resposta única de uma Central de Regulação, quando todas as unidades avançadas estão indisponíveis. “Nessas situações, em Fortaleza o SIV tem sido a diferença, realizando práticas avançadas de suporte de vida (como a proteção de vias aéreas com dispositivos extraglóticos). Em Fortaleza, o SIV também realiza assistência em eventos de massa, conforme definido em portaria municipal (Portaria SMS Nº 661/2024), a depender da matriz de risco do evento”, revela Azevedo.
A suspensão das resoluções não trouxe prejuízos ao serviço, pelo menos em Fortaleza. “Na prática não houve nenhum prejuízo, uma vez que todas as competências e atribuições
exercidas pelo enfermeiro nas nossas USI, as Unidades de Suporte Intermediário, estão previstas na Portaria 2048 e não há nenhuma ação que não tenha autorização formal do médico regulador da nossa Central de Regulação ou que não esteja previsto em nossos protocolos de intervenção. Assim, mantivemos a operação de todas as nossas USI, uma vez que seu serviço está bem consolidado e definido em Fortaleza e sua eficiência e resolutividade bem demonstradas dentro do serviço”, ilustra Azevedo.
O Cofen reitera a importância da assistência intermediária de vida, mas desde que devidamente capacitada e protocolada. “Esta assistência qualificada é baseada em evidências científicas, com protocolos institucionais e sob regulação médica, sendo crucial para garantir a sobrevivência de pacientes graves, especialmente nos momentos em que o médico não estiver presente”, resume.
O órgão ressalta que apesar dos avanços proporcionados pelo SIV, ainda existem desafios a serem superados, como a necessidade de reconhecimento como modalidade pelo Ministério da Saúde e a padronização dos protocolos assistenciais em nível nacional.
Emergência tentou ouvir o Ministério da Saúde sobre o tema, mas até o fechamento desta matéria não obteve resposta.
Efeitos da suspensão das Resoluções 688/22 e 718/23
- Diminuição da qualidade e da amplitude do APH: As resoluções suspensas permitiam que os profissionais de enfermagem desempenhassem um papel mais ativo e qualificado no APH, expandindo a assistência a um número maior de pacientes e em locais mais remotos.
- Aumento da vulnerabilidade dos pacientes críticos: as resoluções suspensas permitiam que as equipes de SIV realizassem procedimentos mais complexos, ampliando o acesso a cuidados de emergência e reduzindo o tempo de resposta em situações críticas.
- Agravamento das desigualdades regionais: A suspensão das resoluções impacta de forma mais severa nas regiões com menor densidade populacional e menor oferta de serviços de saúde, como nas áreas rurais e nas periferias urbanas.
Fonte: Cofen